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Para onde vai a Arqueologia portuguesa???

Para onde vai a Arqueologia portuguesa?
Não, não se trata de uma interrogação retórica, mas de uma pergunta concreta e de sentido literal.
De facto, na passada quinta-feira dia 10, foi assinado o protocolo que estabelece a futura instalação do Museu dos Coches nas antigas Oficinas Gerais de Material de Engenharia, na Av. da India, a Belém.
Naturalmente, não se contesta o interesse em albergar condignamente aquele que é o mais visitado museu português. Mas, acontece que o espaço anteriormente ocupado pelas ogme não é propriamente um espaço devoluto ou abandonado.
Entre outros serviços, eventualmente de menor expressão, do Ministério da Cultura, trata-se do local onde está sediado o Instituto Português de Arqueologia (o instituto público a quem compete o inventário e salvaguarda do património arqueológico nacional), o **** (Centro de Investigação de Paleoecologia, um organismo científico da maior importância para o estudo das realidades ambientais antigas, do espaço que hoje é Portugal), o CNANS (Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática, a entidade pública que vela pela salvaguarda do património histórico nacional, que se conserva em meio subaquático). Como se não bastasse, é no IPA também que se encontra a mais importante biblioteca de Arqueologia existente em Portugal, constituída com o fundo bibliográfico da antiga delegação de Lisboa do Instituto Arqueológico Alemão, cedida ao Estado português por um acordo de comodato, que implica obrigações por parte do nosso Estado (manutenção da sua abertura ao público, actualização de acervos, etc.). E, diga-se, o núcleo inicial foi acrescentado em poucos anos, mercê de uma lúcida e eficaz política de aquisições e permuta de publicações (uma clara prova de que o serviço público não é necessariamente sinónimo de imobilismo e ineficácia). Tão importante é esta entidade (utilizada por investigadores e estudantes, mas naturalmente aberta a todo o público), que, em boa hora, foi decidido resguardá-la em novas e mais dignas instalações, justamente na Av. da Índia, em imóvel recuperado, que se encontra em fase de acabamento, e onde, ironicamente, foi assinado o protocolo .
No puro domínio do surrealismo, haveria a registar o facto das futuras instalações da dita biblioteca, ainda por inaugurar, terem servido para assinar um protocolo que ditará forçosamente a destruição dessas mesmas instalações, uma vez que não se conhece qualquer biblioteca a funcionar afecta ao Museu dos Coches. Tal diz muito sobre o conceito de boa utilização dos fundos públicos e de planificação estratégica das actividades dos organismos públicos.
Mas o que verdadeiramente interessa perguntar é:

1 – Para onde irá o IPA e se continuará a existir enquanto organismo autónomo?
Parecendo oportuno recordar que, entre outras valências, esta instituição conserva a base de dados sobre sítios e monumentos arqueológicos do actual espaço português, um instrumento fundamental para um planeamento e gestão do território, que respeite e valorize a memória da Nação.
2 – Naturalmente, também, para onde irão o **** e o CNANS e se continuarão a existir enquanto entidades?
Da importância destes organismos muito se poderia dizer, mas basta lembrar, uma vez mais, que num tempo em que se preconiza um desenvolvimento sustentável, adquire especial relevância um efectivo conhecimento das paisagens históricas ou da história da paisagem e que o **** constituiu uma lúcida aposta estratégica do Estado português há alguns atrás. Presumo que o valor e interesse do património náutico e subaquático se justifica por si, num país que se ufana de uma época em que "deu mundos ao mundo" ou em que foi pioneiro do "encontro de culturas".
3 – Para onde irá a Biblioteca do IPA e se o Estado português continuará a honrar os compromissos assumidos no passado?
É que constituir um acervo com aquelas características (uma biblioteca especializada, com um importante acervo de bibliografia estrangeira) constituiria um investimento desmesurado que, por felicidade, o nosso país recebeu por quase nada. Será que corremos o risco de desbaratar esse precioso instrumento?
Em suma, três questões relevantes e de superior interesse público, que se sintetizam na pergunta que dá título ao presente texto.
Naturalmente, numa perspectiva cínica, poderíamos dizer que se trata tão-somente de mais uma iniciativa desastrada de S. Exª o Sr. Primeiro-Ministro e que nada disto fará sentido no dia 21 de Fevereiro. No entanto, porque os assuntos são sérios, porque um protocolo oficial é um documento importante e, presume-se, vinculativo; porque em eleições, como em tudo na vida, não há vencedores e vencidos antecipados (felizmente); e porque estamos em campanha eleitoral, seria interessante saber o que cada partido tem a dizer sobre estes temas, Instituto Português de Arqueologia (por acréscimo

Re: Para onde vai a Arqueologia portuguesa??? - II

Como na anterior mensagem o texto não saiu inteiro, aqui vai a parte final, que é aquela que verdadeiramente interessa:

Em suma, três questões relevantes e de superior interesse público, que se sintetizam na pergunta que dá título ao presente texto.
Naturalmente, numa perspectiva cínica, poderíamos dizer que se trata tão-somente de mais uma iniciativa desastrada de S. Exª o Sr. Primeiro-Ministro e que nada disto fará sentido no dia 21 de Fevereiro. No entanto, porque os assuntos são sérios, porque um protocolo oficial é um documento importante e, presume-se, vinculativo; porque em eleições, como em tudo na vida, não há vencedores e vencidos antecipados (felizmente); e porque estamos em campanha eleitoral, seria interessante saber o que cada partido tem a dizer sobre estes temas, Instituto Português de Arqueologia e sua continuidade enquanto instituição autónoma (decorrendo desta interrogação as de teor análogo que se relacionam com o **** e CNANS) e qual o futuro da Biblioteca do IPA, questão essencial e distinta, uma vez que envolve compromissos internacionais do Estado português.

Carlos Fabião (arqueólogo, docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, da área de Arqueologia, cidadão português nº 5193650)

Re: Para onde vai a Arqueologia portuguesa???

De facto, quando parecia já termos visto de tudo, uma parte da classe política empenha-se em surpreender-nos com novas e mais imaginativas manifestações de irresponsabilidade, falta de sentido de Estado e de visão estratégica quanto às suas competências no domínio da Cultura e da Ciência.
Se já era insustentável o "fogo lento" em que agonizada o IPA, perante a indefinição do seu futuro institucional e a crescente asfixia de meios financeiros, que dizer então agora da acção de despejo anunciada, desbaratando o meritório investimento na criação de condições logísticas desenvolvido ao longo dos últimos anos? Afinal, quem poderá responder às perguntas justamente colocadas por Carlos Fabião? Como assegurará o Estado, doravante, as suas responsabilidades de gestão e tutela da actividade arqueológica nacional? E onde e como funcionarão centros de investigação únicos em Portugal, como o **** e o CNANS? E como honraremos os compromissos relativos à actual biblioteca do IPA, que constitui uma ferramenta indispensável para quem estuda ou trabalha nesta área?
Esta será certamente a altura adequada para confrontar com o problema as forças políticas que pedem o voto para o próximo dia 20. E as respostas obtidas (ou a falta delas), poderão contribuir para que se clarifiquem as opções quanto ao modo de exercer esse direito cívico. Mas seria bom que tomássemos desde já consciencia de uma coisa: sobre todos nós pesa a responsabilidade de contribuir para que algo mude no próximo dia 20!

Re: Para onde vai a Arqueologia portuguesa???

Tendo em consideração as preocupações e interrogações expressas nos dois comentários anteriores (escritos por alguém cujas opiniões prezo), sobre o assunto referido em epígrafe, nomeadamente no que diz respeito ao IPA (serviços dependentes, ****, biblioteca, Endovélico, Extensões, etc.) gostaria de contribuir com mais pontos inseridos na pergunta do Prof. Carlos Fabião “como assegurará o Estado, doravante, as suas responsabilidades de gestão e tutela da actividade arqueológica nacional?”
Além de todos os problemas já referidos não nos podemos esquecer que:
1- Continua a realidade de que quase metade dos funcionários do IPA se encontra em situação precária (e em média há 6/7 anos) e que 70% são da carreira específica de arqueologia. Metade destes últimos são os que "carregam" a gestão e cumprimento da arqueologia preventiva onde se incluem cerca de 35 empresas de arqueologia e mais de 1000 postos de trabalhos anuais associados a esta actividade (com esta observação não se quer desconsiderar os restantes funcionários do IPA essenciais para que a máquina funcione).
2- O IPA só têm actualmente orçamento de funcionamento até ao inicio do Verão (conforme declarações públicas da actual direcção ao Jornal Expresso em Dezembro último)
3- E que a regulamentação do quadro jurídico global sobre o património cultural, aprovado nos últimos quatro anos, ainda não foi feita…. nem inclui os documentos “prontos” há mais de 2 anos (mas em permanente actualização), ou seja a nova lei orgânica do IPA e o novo Regulamento de Trabalhos Arqueológicos?
De facto a estratégia (o futuro) traçada pelos dois partidos (com mais hipótese de formarem governo) não nos trazem boas novas. Se por um lado o acordo já referido é do “domínio do surrealismo”, por outro, está considerado no programa que se deve “esclarecer regulamentações e missões”, nomeadamente com a “promoção da gestão integrada do património” (p.56) prevendo ao adequar a administração aos objectivos de crescimento "criar um programa plurianual de redução da dimensão da Administração Central, visando diminuir, nos próximos quatro anos, o número de unidades orgânicas de nível central, por descentralização, desconcentração, fusão ou extinção" (p. 41).
Questões que até Domingo…. e mesmo depois - apesar da “altura adequada para confrontar (…) as forças políticas” não nos serão respondidas.

Notas:
1: Sobre a assinatura do protocolo que estabelece a futura instalação do Museu dos Coches nas antigas Oficinas Gerais de Material de Engenharia, não é o mesmo de 1994 (Santana era Secretário de Estado da Cultura) e o de 1998 (Guterres era Primeiro-Ministro)... apesar de ser um protocolo oficial.
2: De facto temos pena que com tanta actividade arqueológica, esta não se reveja numa maior afluência às instalações da biblioteca… a publicação e a inerente investigação, infelizmente, continuam a ser parentes pobres, apesar de serem consideradas – ética e legalmente (neste caso desde o Regulamento de Trabalhos Arqueológicos de 1979!) - como o culminar de qualquer trabalho arqueológico.

Re: Para onde vai a Arqueologia portuguesa???

Embora continuemos sem saber para onde vai a arqueologia portuguesa, transcrevo um e.mail que me foi enviado, em respota à primeira pergunta aqui formulada:

Caro Prof. Jorge Soares Fabião,



Agradecemos vivamente a carta que nos enviou e na qual refere um conjunto de preocupações comuns a muitos interessados e intervenientes no sector da arqueologia nacional.



Podemos, porém, assegurar-lhe que, não obstante a fusão do IPA e do IPPAR ter sido prevista pelo anterior Governo, o executivo liderado pelo Dr. Pedro Santana Lopes excluiu liminarmente essa possibilidade que, caso o PPD/PSD vença as próximas eleições, não será nunca concretizada.



Também o **** e o CNANS continuarão a existir enquanto entidades autónomas, evidentemente se o PPD/PSD formar o próximo Governo.



Quanto à Biblioteca do IPA não estão evidentemente em causa os compromissos internacionais do Estado Português.



Com os melhores cumprimentos,

A Direcção de Campanha do PPD/PSD


Naturalmente, sem comentários. Continuamos sem saber para onde irá arqueologia portuguesa, mas ficamos a saber que o ppd/psd tem uma clara posição sobre a matéria [talvez seja melhor não lhe dar uma grande divulgação, se não ainda aparece aí um novo mail perguntando: "para onde vai o Museu dos Coches + Escola Portuguesa de arte equestre?"... E aí volta tudo ao princípio...

carlos fabião

Re: Para onde vai a Arqueologia portuguesa???

Em complemento à informação de Carlos Fabião, resta esclarecer que as restantes forças políticas, também confrontadas com o problema, não tiveram disponibilidade ou não se sentiram motivadas a tomar posição sobre o assunto.
Ficamos, então, na expectativa do que nos reservará o próximo dia 20.
E o problema das condições logísticas para o funcionamento do IPA nem sequer é o mais importante. Importante é clarificar qual o futuro papel da administração pública (central, regional e local) na tutela e fiscalização da actividade arqueológica nacional, a sua relação com o meio académico e empresarial e com as associações representativas desta área profissional, o seu papel na clarificação das condições de exercício da profissão, etc., etc.